sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

TEXTO COMPLEMENTAR PARA O 1º ANO

COMO SE FAZ A HISTÓRIA? “A história não é universal”. Esta é a afirmação que dá início à obra Como se faz a história, de François Cardiou (et al.). Nesta obra, os autores fazem uma retrospectiva analítica do modo como a história tem sido escrita ao longo do tempo, desde a chamada Idade Antiga até a contemporaneidade. Concebendo a história como um exercício democrático que está no centro dos debates atuais, os autores revelam as especificidades do fazer historiográfico em cada período, o que permite ao leitor compreender e conhecer o caminho trilhado pela produção historiográfica ao longo do tempo e que resultou nos modelos que orientam, na atualidade, o perfil do professor/pesquisador de História e sua atuação, seja como mediador no processo de construção do conhecimento do educando em sala de aula, seja como investigador em busca de respostas a novos e velhos problemas. O conhecimento dos modos de fazer história permite entender que não há uma linearidade ou, muito menos, a ilusão de uma continuidade no que se refere à prática historiográfica, uma vez que, a própria noção de História foi se transformando com o passar dos séculos. Na Antiguidade Clássica européia, a história correspondia a uma concepção limitada do discurso sobre o passado, representado mais pela tradição do que pelas fontes. Tratava-se de uma história embasada no “ver” e no “ouvir”. O historiador era, muitas vezes, testemunha ocular dos fatos e sua principal preocupação era garantir a veracidade do narrado. Apesar de gregos e romanos acreditarem na versão que atribui a estes povos a “invenção” da história, François Hartog destaca que mais que inventar a história, a cultura grega desenvolveu o “mito inventor” e, se criou algo, foi muito mais a figura do historiador-escritor, que a própria História. Todavia, vale ressaltar que não foi a Antiguidade Clássica que fez da história um ofício. Não havia uma institucionalização do ensino, tampouco da pesquisa histórica, mas o narrador do discurso histórico passou a reivindicar a autoria dos seus relatos. Vê-se que o trabalho do historiador antigo consistia em distinguir realidade e fantasia; verdade e ficção; mito e História e esta distinção e dava a partir do convencimento da autenticidade da afirmação, embasada, principalmente, em registros orais. Naquele momento, havia uma indiferença pelo arquivo escrito e a história era vista com uma “narrativa de acontecimentos” pautada na relação causa/efeito. Como a principal fonte de autenticidade do escrito histórico era o testemunho, a história escrita na Antiguidade Clássica era a “história contemporânea”. O historiador confiável era aquele que descrevia e relatava o que pôde presenciar. O historiador era, literalmente, a principal testemunha das mudanças de uma época, a quem cabia a função moral de instruir e ensinar aos homens sobre seus feitos. Esta função moral da história ganhou força durante a Idade Moderna, quando a ênfase na história política e militar fez dos historiógrafos oficiais pessoas indispensáveis aos reis absolutistas. Por outro lado, durante a Idade Média, a história foi concebida como um instrumento a serviço de Deus e a produção historiográfica se concentrou onde estava o conhecimento: no meio clerical. Os historiadores eram, basicamente, monges e bispos e o ofício de historiador se confundia com o ofício de pastor: a tarefa do historiador consistia em narrar, “de modo verídico”, as ações descritas na Bíblia. No século XII, com o Renascimento e a fundação das primeiras universidades medievais, a cultura atingiu outros espaços e houve uma expansão no campo da história, que delinearia suas redefinições na modernidade. As fontes escritas se tornaram mais conhecidas, claro que com a mesma preocupação em validar a autenticidade, o que poderia ser feito por um monarca ou clérigo. A história, aos poucos, assumia a função de legitimadora da cultura dominante. Com a emergência do Estado Moderno a história passou a ser vista como o símbolo da “identidade nacional”. Até 1560, conforme dito acima, era um registro do tempo presente vinculada muito mais à arte que à ciência, numa narrativa de grandes feitos. A segunda metade do século XVI marcou o surgimento da História como disciplina na França e a reconstituição do passado com base em documentos escritos e não escritos. Houve um retorno à história política, tal qual na Antiguidade. Neste período, a história estava muito próxima da arte, e o historiador, antes preso à verdade imputável, estava “livre” para criar recursos que o levassem a prender a atenção do leitor. Em síntese, não havia um controle crítico dos arquivos. Esta crítica das fontes só foi iniciada com o surgimento da filologia, que levou à publicação das referências e inserção de notas de rodapé e citações nos escritos. Vale ressaltar que os historiadores modernos pretendiam uma “história perfeita”, que abarcasse uma civilização/sociedade em TODOS os seus aspectos: econômico, social, institucional, religioso e cultural. O século XVII trouxe o “nascimento” da história como ciência (1681) e, junto com o status de ciência, provocou uma crise decorrente do triunfo das exatas e do desprezo pelas ciências ditas auxiliares, “baseadas em testemunhos incertos”. A superação da crise inicial foi se contornando a partir da instituição do método, que garantia a autoridade da fonte a partir da equivalência entre dois registros. Se, por um lado, as primeiras pesquisas realizadas por monges beneditinos reuniu diversos tipos de fontes, por outro, garantiu a superioridade das fontes escritas e, ainda, dos documentos públicos sobre os privados. Esta busca da autenticidade das fontes permitiu um novo olhar sobre a história, que passou a ser uma disciplina erudita, submetida a regras de controle e verificação que permitiam a reconstituição do passado a partir dos vestígios. Assim, foi no século XVII que o passado, considerado objeto da fé em toda a Idade Média, transformou-se em objeto de conhecimento. A partir do século XVIII, com o Iluminismo, as noções de fonte e documento começaram a passar por transformações, a começar pela extensão dessa noção às artes plásticas, por exemplo. A imagem passou a ser vista como um documento, tal qual os registros impressos. Em Como se faz a história fica evidente que Voltaire foi um dos primeiros a propor a ampliação das fontes e da vulgarização do discurso histórico. A Idade Contemporânea marca a institucionalização da História como disciplina e o crescimento da produção histórica. O lançamento da revista Annales d’historie economique et sociale por Marc Bloch e Lucien Febvre, viabilizou uma revisão de métodos de pesquisa e escrita da história. Com um tom contestador e propondo o diálogo entre historiadores e outras ciências humanas e sociais, atacavam a supremacia da fonte escrita em favor de “outras fontes”. As duas gerações que seguiram aos fundadores propuseram ainda reformulações nas noções de temporalidade (Braudel), assim como lançaram as bases para a definição de novos problemas, novas abordagens e novos objetos, que deram os contornos do que se chamou “Nova História” (Pierre Nora e Jacques Le Goff). Esta “virada” historiográfica trouxe à cena novos personagens e revelou modos de fazer a história até então desconhecidos. Foi a partir de 1968, com a expansão da História Cultural que a micro-história ganhou fôlego, com a proposta de analisar a experiência de indivíduos comuns (ou pequenos grupos sociais) a partir de vestígios e sinais deixados. Este período marca também a presença da interdisciplinaridade nas pesquisas históricas. O diálogo da História com outras áreas, como as Artes e a Literatura tornou inevitável o recurso às manifestações visuais das representações e, consequentemente, à reformulação da noção de fonte histórica e sua utilização para fins didáticos. (Texto produzido pela Profª Aline Najara Gonçalves. Fonte: CADIOU, François. COULOMB, Clarisse. LEMONDE, Anne. SANTAMARIA Yves. Como Se Faz A História, Historiografia, Método e Pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2007.) QUESTÕES PARA DEBATE: 1. A partir o texto, explique qual é o papel do historiador. 2. Comente o trecho abaixo. Não esqueça: a argumentação é essencial para a elaboração de um comentário plausível. “[...]foi no século XVII que o passado, considerado objeto da fé em toda a Idade Média, transformou-se em objeto de conhecimento.” 3. “A partir do século XVIII, com o Iluminismo, as noções de fonte e documento começaram a passar por transformações, a começar pela extensão dessa noção às artes plásticas, por exemplo.” Se você fosse escrever a história da sua vida, que tipo de fontes utilizaria? Cite-as e explique como faria uso delas. 4. A partir do que leu e do que foi apresentado em sala de aula, elabore uma noção para o que os historiadores denominam “fonte histórica”.

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